Uma comédia em desconstrução

Drica Moraes e Fabio Assunção em Férias, montagem em cartaz no Teatro Claro Mais (Foto: Leo Aversa)
O jogo teatral está na base da proposta de um espetáculo como Férias. Jô Bilac investe num enredo simples, que não fere a verossimilhança e nem gera estranhamento no público, apesar de centrado num momento de excepcionalidade na vida de um casal: ao ganharem dos filhos uma viagem de navio, o marido e a esposa dão vazão a peripécias libertárias, que se estendem depois do cruzeiro. Mas o autor desconstrói, com certa frequência, as situações, de modo a lembrar a plateia que se trata de uma peça, de uma brincadeira cênica.
Na encenação dirigida por Enrique Diaz e Debora Lamm, atualmente em cartaz no Teatro Claro Mais, essa concepção é reforçada por meio de registro interpretativo expansivo e popular de Drica Moraes e Fabio Assunção, que, em constante agitação corporal (direção de movimento a cargo de Marcia Rubin), quebram a quarta parede para breves interações com o espectador. A comunicabilidade e o caráter lúdico também se manifestam nas demais contribuições artísticas da montagem, como a pista de skate da cenografia de Dina Salem Levy, que realça o espírito de aventura dos personagens e favorece as possibilidades de extrair humor de circunstâncias físicas, e as roupas e os adereços acrescidos aos trajes básicos (figurinos de Antônio Medeiros) que colaboram para a comicidade dos diversos incidentes. A iluminação de Wagner Antonio alterna, de maneira marcante, a luz aberta da comédia com passagens mais buriladas.
Jô Bilac cria personagens individualizados e, por outro lado, simbólicos – tanto os protagonistas, denominados H e M, como os coadjuvantes, X e Y. Por meio da despretensão, evidencia questões referentes ao relacionamento do casal que rompe com a acomodação do cotidiano e com um padrão de comportamento pré-estabelecido e se permite viver de forma impulsiva, sem regras morais restritivas. Bilac, porém, não deixa que a “seriedade” se instale; prioriza a interatividade cômica. Não haveria problema, mas o autor demonstra considerável dificuldade para desenvolver a peça. Depois que os personagens são expulsos do cruzeiro, os episódios em torno de experiências sexuais soam muito parecidos e o resultado em termos de humor decresce, por maior que seja o empenho dos intérpretes para mantê-lo em alta voltagem.
Drica Moraes e Fabio Assunção narram – descolados, através de comentários – a vertiginosa jornada de seus personagens e a “vivenciam”, seguindo uma determinada linha de atuação. Entretanto, ainda que entrosados, Drica se destaca pelo aproveitamento expressivo do corpo e pelo timing preciso, ao passo que Fabio apresenta trabalho mais linear, em especial pelo fato de falar num mesmo diapasão, sem variedade na inflexão vocal. As cenas de conexão direta com a plateia servem mais para sublinhar o artifício do acontecimento teatral do que para imprimir graça ao espetáculo.
A direção conjunta de Enrique Diaz e Debora Lamm se justifica, a princípio, pela oportunidade de complementação. Enrique tem longa parceria com Drica Moraes no teatro – integraram a Companhia dos Atores, ele como diretor e ela como atriz – e conduziu encenações norteadas por desafios de linguagem. Debora se notabilizou, principalmente como atriz, no campo da comédia, terreno que começou a exercitar como diretora. Em todo caso, a junção de esforços é excessiva, tendo em vista as limitações do material dramatúrgico.
Férias é um espetáculo que ambiciona envolver o espectador com os quiproquós dos personagens e, ao mesmo tempo, desarmar a instância ficcional para frisar que aquilo que se desenrola é “apenas” teatro – proposição que chega ao ápice na descontraída cena final. Mas a peça esgota o potencial de diversão bem antes do encerramento, fragilidade que o elenco e a direção, em que pese a dedicação coletiva, provavelmente não teriam como superar.
FÉRIAS – Texto de Jô Bilac. Direção de Enrique Diaz e Debora Lamm. Com Drica Moraes e Fabio Assunção. Teatro Claro Mais (R. Siqueira Campos, 143 / 2º andar). Sáb., às 18h e 20h30. Dom. às 18h. Ingressos: de R$ 50,00 a R$ 180,00.