Inabalável poder de sedução

Elias Andreato e Johnny Massaro em Visitando o Sr. Green (Foto: Ronaldo Gutierrez)
SÃO PAULO – Visitando o Sr. Green é uma peça que funciona como veículo para um ator experiente. O personagem-título – um irascível judeu ortodoxo idoso – fornece material para a realização de um minucioso trabalho de composição, tanto físico quanto vocal. Retomado, após bem-sucedidos espetáculos anteriores, esse texto do dramaturgo norte-americano Jeff Baron ganha nova montagem, assinada por Guilherme Piva, atualmente em cartaz no Teatro Renaissance.
Antes de surgir em cena “na pele” do Sr. Green, Elias Andreato dirigiu o primeiro espetáculo, com Paulo Autran e Cassio Scapin. A intimidade de Andreato com o texto, agora em tradução de Gustavo Pinheiro, transparece em sua atuação orgânica, que escapa da armadilha da evidenciação de artifícios na construção corporal. Parceiro de palco, Johnny Massaro não uniformiza o constante estado de irritação – e, de um determinado momento em diante, indignação – do jovem Ross, judeu como Green. Assistir à entrosada contracena entre eles é o maior atrativo dessa montagem, que cumpre a importante função de oferecer ao público algo cada vez menos frequente com o passar do tempo: um exemplar bem feito de teatro de mercado a partir da escolha de um texto comunicativo que propicia oportunidades significativas aos atores.
Jeff Baron estabelece, desde o início, o convívio conflituoso entre o Sr. Green e Ross – o segundo é obrigado a visitar, com assiduidade, o primeiro como forma de reparação depois de um acidente de trânsito. O embate entre ambos em torno da questão da sexualidade se alonga, o que faz com que a peça, apesar da duração compacta, pareça um pouco estacionada em termos de desenvolvimento de situação. A inclusão de uma revelação acerca do passado familiar de Green apenas reitera o conservadorismo e a rigidez do personagem. E não é difícil prever como a relação entre Green e Ross se desenrolará até o final, que, em todo caso, sinaliza com uma louvável possibilidade de conciliação entre a tradição e a percepção de novos horizontes.
A previsibilidade da peça tende a ser relevada por muitos espectadores, provavelmente conectados com esse espetáculo conduzido com fluência e sem turbulências por Guilherme Piva. Não há obstáculos à apreciação da plateia, sensibilizada pelos carismáticos trabalhos dos atores. Os elementos constitutivos da cena seguem à risca as indicações contidas no texto. No cenário, Chris Aizner realça o visual antiquado do apartamento do Sr. Green, cabendo chamar atenção para a parede envidraçada com letreiro luminoso na parte externa. Karen Brusttolin explora, nos figurinos, o contraste geracional e de perspectivas de mundo entre os dois personagens. A iluminação de Maneco Quinderé oscila entre a luz aberta própria da comédia e gradações mais nuançadas à medida que o drama se impõe. Liliane Secco destaca, na trilha sonora, o universo judaico, priorizando sonoridade moderna, mesmo que sem perder de vista a melodia antiga.
O investimento em montagens de Visitando o Sr. Green no decorrer dos anos (além das mencionadas, houve mais uma com Sergio Mamberti e Ricardo Gelli, sob a direção de Cassio Scapin) comprova que as limitações da peça não ameaçam seu poder de sedução. Levando-se em conta o panorama do teatro de hoje – voltado, com regularidade, para propostas que, independentemente de juízos de valor, costumam reunir uma quantidade restrita de espectadores –, a adesão do público a esse texto pode ser avaliada como positiva, ainda mais considerando as inspiradas interpretações dos atores.
VISITANDO O SR. GREEN – Texto de Jeff Baron. Direção de Guilherme Piva. Com Elias Andreato e Johnny Massaro. Teatro Renaissance (Alameda Santos, 2223). Sáb., às 21h e dom., às 19h. Ingressos: R$ 150,00.